Quando o conheci ele já era funcionário daquela repartição pública (chamavam-na simplesmente "O Departamento") há mais de vinte anos, com certeza. Passava os dias, durante o expediente, sentado em um sofá surrado e meio encardido que fazia as vezes de cadeira e escrivaninha, onde, além de escrever seus relatórios, recebia colegas de trabalho e pessoas que precisavam de conselhos ou que lhes assinasse documentos ou, ainda, que determinasse encaminhamentos para suas demandas.
O Dr. Tartarelli - chamavam-no sempre pelo sobrenome - era aquele tipo de pessoa capaz de resolver qualquer problema sem "stress". Tinha uma calma invejável, qualidade que muito o ajudava a desempenhar sua função como assessor do chefe do Departamento, o Dr. Heinz.
Quando o "chefão", com seu olho de vidro assustador, pedia algo urgente e as secretárias não conseguiam cumprir a ordem, a primeira coisa a fazer era ir até o Dr. Tartarelli, que a todas respondia:
- Calma! A situação se ajeita. Vamos esperar até amanhã, quem sabe ele esquece... se não esquecer, amanhã a gente resolve.
O lugar preferido dele era o sofá, mas quando cansava de ficar sentado ali, gostava de se esconder atrás da porta da salinha da telefonista - com a anuência dela, é claro. Neste cantinho permanecia por horas a fio, enquanto o chefe o procurava, em vão.
Contava uma das secretárias que certa vez ela foi incumbida de localizar o Dr. e avisá-lo que estava sendo chamado à presença do chefe. Depois de verificar que a sua sala estava vazia e que também não estava tomando um cafezinho - dos dez ou doze que consumia todos os dias - dirigiu-se à telefonista. Abriu a porta, olhou atrás e lá estava ele, sentado na pequena banqueta de estimação, que somente ele usava. Tentou falar:
- Dr...
- Sshh...! - fez ele - e você não me viu aqui!!
Em outra ocasião apareceu naquele andar um empreiteiro que desejava uma "forcinha" do Dr. Heinz para a liberação de pagamento referente à uma obra em execução pela sua empresa. O Dr. Chefão não quis atendê-lo, deixando-o sentado na sala de espera por mais de três horas.
Quando o cidadão cansou de esperar, procurou pelo Dr. Tartarelli pedindo ajuda.
- Dr. o que é que eu faço? O homem não quer me atender...
O Dr. pensou por algum tempo, coçou a cabeça, tamborilou os dedos no espaldar do sofá, levantou-se e foi à cozinha, de lá voltando com uma bandeja de café.
- O senhor faça o seguinte: Leve esta bandeja, bata na porta dele - 3 batidas leves - e diga "café!"
Boa sorte.
Minutos depois o empreiteiro saiu de lá todo sorridente, quase dançando de tão alegre. Procurou pelo Dr. para agradecer, mas não o encontrou.
- Sshh...!
Hum, adorei o Dr. Tartarelli... Muito gostosa a tua crônica! Estou com umas ideias!
ResponderExcluirObrigado Ana Esther. A julgar pelo que você diz acho que estou evoluindo um pouquinho na prosa. Este é um dos meus objetivos. De resto, agradar os possíveis leitores. Boas marolas!
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