sábado, 19 de novembro de 2016

O chimarrão que deu tilt

          Aninha é uma gauchinha miúda e elétrica, muito falante e sempre com uma estória pronta, na ponta da língua. Roupas coloridas, cabelos esvoaçantes, parece que a qualquer momento sairá voando, feito uma fada (ou bruxinha do bem!).
          Por razões que só Deus sabe, ela como tantos outros vizinhos rio-grandenses, resolveu se fixar na nossa Ilha-capital, Florianópolis. Fala um "manezês" recheado de "báhs" e "guris" e "aí, menino?" que a torna um ser especial, encantador.
          Aninha trouxe, ao que se sabe, da sua terra, apenas uma mochila que mais parece o "cinto de utilidades" do Batman, tantas as coisas que saem de lá. Dizem, eu não afirmo, que naquela mochila tem um poncho tamanho grande, um par de botas com esporas e tudo, chapéu de aba larga, facão, garrucha, lenço vermelho, uma medalhinha com a foto da avó, barraca e demais utensílios de acampamento, produtos de toucador, queijo e charque do bom, garrafa-térmica, chaleira, cuia de chimarrão - com bomba, é claro - dois quilos de mate e um notebook (já que ela é do tipo informatizada...).
          Agora é que começa o drama da Aninha: Dia desses ela acordou com sede (entenda-se sede de chimarrão, que água é coisa de "catarina"!). Abriu a mochila, retirou os apetrechos importados diretamente do Rio Grande do Sul e preparou, com todo o capricho, a divina bebida amarga. Como sua sede de conhecimentos e amizades também é enorme, abriu seu computador e conectou-se mais rápido que catarinense tentando falar "mais báh, tchê" e, ávidamente, começou a degustar seu desjejum, enquanto teclava com os amigos.
          Em um momento de mais euforia seus dedos erraram a cuia, que ela tentou, em vão, segurar e lá se foi o precioso líquido com pó e tudo por cima do teclado. O seu desespero foi dobrado. Primeiro pelo computador danificado, segundo por ter perdido quase todo o chimarrão que, diga-se de passagem, tinha ficado perfeito. Uma verdadeira obra de arte.
          Aninha gritava tanto que a sua tartaruga de estimação, assustada, subiu na mesa da cozinha derrubando xícaras, copos e talheres (que ela guarda, também, na mochila mágica...).
          E o computador? Depois de limpo e seco só consegue escrever "báh, báh, báh..." e a Aninha, depois de pensar bastante a respeito do causo ocorrido, decidiu ser mais cuidadosa. Diz que, de agora em diante, sempre que for tomar seu chimarrão, deixará uma cuia prontinha, de reserva, caso venha a espalhar a primeira. Seguro morreu de velho, não é?


   A cuia de chimarrão e sua vítima

sábado, 5 de novembro de 2016

Passeio ao interior de Mondaí

          Naquele longínquo ano de 1965, iniciando minha vida escolar e curtindo uma liberdade inédita, garantida pelos professores da Escola Delminda Silveira, decidiu-se por um passeio ao interior do município para comemorar o dia das crianças.
          A minha cidade natal é Mondaí, pequena aglomeração de casas, algumas ruas, na época a grande maioria sem qualquer tipo de pavimentação. Muita poeira quando era tempo seco e muito barro nos períodos de chuva. Colonizada por descendentes de alemães - alguns nascidos na Alemanha do final do século XIX e início do século XX - era o meu universo. Para mim tudo girava em torno da minha terrinha. Para se ter uma ideia, eu achava que as manteigas da marca Anderson Clayton eram produzidas nos fundos da loja dos Klein, pois os nomes soavam muito parecidos.
          O nosso Prefeito, Arthur Deiss, tinha um carro de Presidente: Uma Aero-Willys preta, magnífica. Na minha fantasia os ocupantes do teco-teco que as vezes sobrevoava a cidade, abanavam as mãos para mim. O mundo era perfeito!
          Mas, voltando ao passeio em questão, foi decidido passarmos o dia em um sítio lá para os lados da Barra Escondida. Eu não sabia que "barra", neste caso, era a desembocadura de um rio em outro ou no mar e imaginava que fosse uma barra de chocolate, deliciosa, escondida no meio dos arbustos, pronta para ser degustada...
          Chegando o dia da viagem, fomos colocados na carroceria de um caminhão (naquele tempo não existiam "vans" de turismo ou escolares) e partimos. O dia estava bonito, a temperatura do mês de outubro era agradável e as paisagens bucólicas sucederam-se maravilhosas até chegarmos ao nosso destino, poucos quilômetros distante da sede do município. Pastos, vergamoteiras e um pequeno rio.
          A manhã transcorreu divertida, com a professora inventando jogos, brincadeiras, induzindo-nos a correr, cantar, pular. Sempre atenta e cuidadosa, não deixava os mais afoitos se afastarem, afinal ela era a responsável pela segurança de todos.
          Chegada a hora do almoço fomos servidos - no meio do pasto - com uma galinhada deliciosa, daquelas feitas com galinha caipira, de sabor encorpado e à tarde, depois do descanso obrigatório, veio a grande surpresa do dia. Próximo ao riozinho onde nos foi permitido molhar os pés, talvez até os joelhos, havia umas árvores muito grandes e uma delas tinha um cipó grosso onde as crianças e os adultos se balançavam. Eu estava louco para experimentar mas, acanhado como era, fiquei de lado esperando a minha vez. Demorou mas lá fui eu bancar o Tarzan (até ali jamais havia escutado este nome).
          Foi uma sensação indescritível, de ser forte, de ter asas, de voar! A foto foi batida e meus pais - que não estavam presentes - compraram uma cópia. Lembro bem do menino magricela pendurado no cipó com um sorriso que ia de orelha a orelha e as pernas finas balançando no ar. Pena que a fotografia acabou se perdendo...
          Ao final daquele ano a minha professora, Lory Welmuth, premiou os alunos que tiveram as melhores notas durante o período letivo. Eu estava entre eles e recebi meu prêmio. Entusiamado, nem sequer abri o pacote que continha algo redondo e flexível ao toque e me encaminhei para casa correndo, feliz. Descia a pequena elevação agitando o presente e gritando:
          - Mãe, mãe! Ganhei um queijo... A professora me deu um queijo, olha!
          Era e ainda sou fascinado por queijos, daí se pode deduzir a minha decepção quando descobri que o "queijo" na verdade era uma moringa de plástico que minha mãe, Zirlândia Silveira dos Santos, enchia com café ou limonada para eu levar à escola. A moringa me acompanhou por alguns anos, passando depois para os irmãos menores, até ser descartada.
          Agora restam as lembranças de um tempo que não volta mais e de prestarmos homenagens aquelas pessoas que se doaram - não tínhamos ideia do quanto - para nos fazerem felizes.

Vista parcial da cidade de Mondaí-SC em 1990