A grande pera
A época era de governos militares e Atos Institucionais. Nos grandes centros urbanos havia preocupação e desconfiança no ar, protestos, prisões e medo. Tanto era que até mesmo nós, crianças, percebíamos que tinha alguma coisa estranha acontecendo.
Na
pequena Mondaí, onde não circulava um jornal local, onde era raro alguém
possuir TV ou telefone e as informações passavam no “boca a boca”, vivia-se,
quer me parecer, muito melhor e mais tranquilamente, sem as neuroses que hoje
tanto nos afligem. A tal “qualidade de vida”.
Nesta
cidade, onde nasci e estava agora de visita, meus avós maternos: Mário Silveira
e Adônia – que atendia por Nita – eram donos de um terreno urbano de fazer
inveja a qualquer lote popular de hoje em dia. Tinha bem uns cinquenta metros
de frente por algumas centenas de metros de comprimento. Além da ampla
residência em alvenaria, de frente para a atual Av. Porto Feliz, de um galpão
de madeira onde funcionava o depósito, área-de-serviço e garagem, havia também
uma casa de bombas que mandava água do poço para o uso doméstico. Esta
construção ficava junto ao rio Capivara, que atravessava a propriedade
dividindo-a em duas partes. Na segunda, que se atingia passando por uma
caprichada ponte particular, havia um estábulo, pasto e algumas cabeças de
gado. Vacas holandesas, mansas, que eram orgulho do meu avô.
O terreno
em si continha parreiras, plantação de aipim (que lá era, e ainda é, denominada
mandioca), cana-de-açúcar e abacaxis. Um pomar com pés de figo, limão, maçãs deliciosas
e laranjeiras de várias qualidades. Também hortaliças, legumes, temperos,
flores e chás para todos os fins.
Entre
tantas árvores frutíferas, uma em especial chamava a minha atenção. Era uma
pereira enorme (talvez nem tanto, pois quando se é criança tudo parece
maior...) e carregada de frutos atraentes. Depois da devida autorização para
colher uma daquelas peras, encaminhei-me ao local. O meu avô deixava encostado
na parede do galpão, um bambu comprido – devia ter uns quatro ou cinco metros –
munido na extremidade mais fina de um saco em forma de “coador”, daqueles
antigos, de pano, que era usado para coletar a fruta desejada. Guloso, escolhi
a maior e de difícil alcance; fiquei na ponta dos pés, estiquei-me, cutuquei a
escolhida até ela se soltar, mas para minha surpresa a fruta não coube no saco
e começou a cair, trancando inicialmente em alguns pequenos galhos, o que me
deu tempo de raciocinar. Soltei o bambu e me preparei para aparar o objeto dos
meus desejos já antevendo o quanto estaria apetitosa. Lembro até hoje aquela
pera descendo, de galho em galho, em câmara lenta; descendo, descendo... até
ficar tudo escuro!
A pancada
que levei no olho direito deve ter sido violenta, pois com o impacto caí de
costas no chão e ali fiquei por algum tempo – talvez desmaiado. Não gritei, não
chorei, não disse um ai. Sabia que a culpa do “acidente” era minha.
Quando
cheguei de volta a casa com o olho fechado e muito inchado, sentindo muita dor,
foi um alvoroço; algumas pessoas achando graça, outras preocupadas. Após a
constatação de que nada mais grave havia acontecido, perguntaram-me o que eu ia
fazer. Respondi somente:
A minha cidade-natal naquela época