E assim tudo começou
O menino loiro, magricela, tímido e assustado estava deslumbrado com a cidade-capital, tão diferente daquela onde nascera e com tantos descendentes de açorianos que, assim lhe parecia, o detestavam. Eram-lhe hostis e provocadores, instigando-o, por meio de acusações diversas, à revolta. Restavam uns poucos colegas, também sofrendo achaques semelhantes que se tornaram seus amigos. Hoje, com a experiência que a vida nos concede, entendemos que aqueles indivíduos estavam apenas demarcando seus territórios e se prevenindo contra quem julgavam ser um intruso. Alguém que poderia ocupar um espaço que era deles, por direito!
Luta por direitos de igualdade à parte, o fato é que o menino ali estava, longe da terra natal, saudoso dos amiguinhos - primos, primas, coleguinhas de escola - e das coisas que lhe eram caras. Saudoso do "seu" Rio Capivara, da barca e das balsas no grande e profundo Rio Uruguai, da igrejinha matriz e do monte de serragem na "pracinha" (futuramente o seria; uma praça!) próximo da sua casa, onde tantas vezes brincou.
A saudade era grande, sim, mas outras descobertas estavam acontecendo. O mar, em sua exuberância, os grandes edifícios com seus elevadores, os ônibus do tipo "bicudo" e "cara-chata" e, maravilha das maravilhas: Poder sentar no banco nº 1, ao lado do motorista - quem conseguia realizar essa proeza era invejado e respeitado, daí a disputa acirrada por esse privilégio. E íamos às aulas, felizes, à bordo dos veículos da "Transportes Coletivos São João".
Todas essas novidades que lhe eram apresentadas nas ruas, no Instituto Estadual de Educação, na Biblioteca Pública (de onde se tornou assíduo frequentador) e até mesmo na TV, assistindo séries como: Tarzan, Bonanza, Viagem ao Fundo do Mar, Perdidos no Espaço, desenhos animados como o Manda-Chuva e Pepe-Legal e livros garimpados sempre por empréstimo, foram criando no menino uma capacidade de sonhar - acordado ou dormindo - cada vez maior, ao ponto de sofrer reprimendas dos pais ou professores.
Sonhar! Sonhar é tudo de bom e ainda melhor quando se começa a por no papel os nossos sonhos. Assim é que em meados de 1972, com quatorze anos incompletos, o garoto tímido do oeste catarinense escreveu sua primeira poesia:
Paz e amor
Ney Santos/ 1972
A vida inteira eu andei
Por um mundo só de ódio
E de rancor
Mas agora eu parei e quero ter
Um mundo só prá mim
Onde haja paz e amor
E então encontrarei
A felicidade com que tanto eu sonhei
A vida é mesmo assim
Com amor e sem amor
Com ódio e até felicidade
Mas agora eu parei e quero ter
Um pouco de amor
E felicidade
E o menino continuou a sonhar!